A Terceira Idade no nosso Século: Avanços e Dificuldades


No século XXI encontramos a evolução da longevidade ao seu expoente máximo, de acordo com os dados existentes. A ciência abre-nos um leque significativo de oportunidades, e os paradigmas sociais elevam o ser humano a uma ambição real no que toca à qualidade de vida, outrora uma impossibilidade declarada pela simplicidade da natureza.

Mas se este presente desafio nos possibilita a continuidade da evolução enquanto pessoas, não deixa de encetar outros problemas, políticos, sociais e familiares, no que toca à manutenção do bem-estar, hoje tão ambicionada e tão merecida. 

Porque prolongar a vida não é só aumentar anos de longevidade. Porque descobrir curas para as doenças não é tão simples quanto acrescentar mais um número ao bolo de aniversário, significa a mobilização global de todos, para que o bem-estar continue a ser uma realidade, sob pena de nos depararmos com uma existência solitária e triste, de quem já de alguma forma, depende de outro. 

Mas será isto possível, numa sociedade em que a produção assume a ordem do dia e em que valores como a família parecem ficar esquecidos?  

Encontramos hoje pela frente um repto digno de uma luta emergente e necessária: por um lado a conciliação entre as carreiras e o sucesso, próprios do capitalismo, por outro a manutenção dos valores base para a continuação da existência, próprios da condição humana. Ficamos perante uma realidade de difícil conciliação, no caminho da redução da solidão e da mera existência física. No limite, e na impossibilidade de efetivarmos esta junção, ficaremos defronte a um capricho inconsequente: de pouco nos valerá existir, se o objetivo não condensar a realização pessoal, familiar, emocional e social.  

Criar as condições para que o idoso viva em conformidade com o que lhe é devido e merecido exige uma readequação abrangente e necessária. Encontrar alternativas adequadas ao melhor trajeto para estas pessoas urge e colocar a incidência do foco global também na terceira idade, olhando-os como membros que o merecem como qualquer outra faixa etária, terá de ser um início do caminho.

O perfil do cuidador é delicado, no que toca às competências necessárias para o trabalho com esta população. Não adianta romantizar a figura do idoso com excessiva leveza, pois daí só conseguiremos protelar uma fantasia incongruente e danosa, para quem trabalha e para quem recebe o cuidado. O idoso é uma vida, é uma personalidade, é uma rocha forte, é um posto e uma vontade, difícil de moldar. Saber respeitar esse temperamento, subordinado a um corpo por vezes doente, é um sacrifício para ambos os lados da barricada: de um lado, quem perde as faculdades, mas pode manter a consciência e a intelectualidade; do outro quem ajuda e quer fazê-lo da sua forma, que nunca é a única forma, que pode não ser a melhor forma. 

A consequência mais rápida e prática é, muitas vezes, a desenraização da pessoa e o afastamento do meio familiar, com o internamento, tantas vezes forçado, em estruturas de apoio. Umas mais adequadas, outras mais desadequadas, mas todas, quase sem excepção, violam o direito à individualidade muito mais do que o desejável e transformam o utente num número, que vence num segundo o nome de uma vida. Uma violência, uma retirada de identidade, que só quem vive de perto conseguirá eventualmente dimensionar. 

Felizmente existem algumas outras medidas, que parecem começar a olhar mais de perto esta altura da vida, tão bonita quanto exigente. O reconhecimento recente do estatuto do cuidador, por exemplo, avança um pequeno passo, na possibilidade de alguma qualidade de vida para quem permanece na sua residência, o melhor lugar onde deve ser possível estar. 

Está na hora, chegamos ao patamar onde será necessário encarar os desafios presentes. Como passar aos nossos filhos a importância do idoso, cansado e imperfeito, na era da perfeição? Como transformar a maravilha da ciência em índices que traduzam bem-estar, e não em anos de calendário, pesados e tortuosos? Como possibilitar que estes avanços se reflitam em reais benefícios, para quem deles possa usufruir? Como contrariar a tendência à desumanização do sofrimento? 

Diria que o caminho começa na reflexão sobre estas questões. Na tomada de consciência do impacto do sofrimento e da solidão, na nossa própria projeção no futuro. Começa na reeducação e na recuperação do valor do respeito. Começa ainda na atenção às necessidade do outro, e no regresso da identidade. 

A globalização é um risco crescente que ataca até os mais fortes. Proteger os mais frágeis talvez seja um dos grandes desafios do momento presente. Que revelará se continuaremos pessoas, ou se entraremos definitivamente na era da modernidade desumanizada. 

 

Por: 

Carla Ferreira

Diretora de Recursos Humanos do Grupo H Saúde

sábado, 28 de setembro de 19