Corpo, Moda e Aparência - O Terror da Imagem
Existe uma estreita relação entre a construção da aparência humana, no que respeita ao corpo e à roupa e as necessidades político-económicas da sociedade, em cada uma das suas etapas históricas. A razão é simples: o corpo não é do indivíduo mas da cultura a que ele pertence. Quem disso tenha dúvidas lembre-se da questão da eutanásia: se não temos liberdade em vida como podemos ter liberdade para escolher a morte que queremos?
Neste artigo, abordarei as relações do Corpo com a Moda e o «Culto da Aparência», como estas realidades têm implicações na Estética de uma sociedade, na sua economia e obviamente na forma de fazer Medicina e na «Indústria Farmacêutica».
O surgimento da Sociedade Industrial, trouxe-nos uma visão mecanicista da natureza, que a transformou numa fonte inesgotável de recursos e prestações, e serviu de modelo para ser construída uma percepção do Corpo Humano com objectivos meramente económicos. A partir daí surgiu a prática dos desportos, o descobrimento do inconsciente e os avanços da Medicina. Esta conjectura também trouxe a ideia de que o nosso corpo deveria igualmente funcionar como uma eficiente maquinaria. Agora a beleza de um corpo não reside na sua magreza mas na imagem que representa a sua saúde.
É nesta sequência que surgem os Ginásios, Estéticas Reparadoras, Rigorosos Regimes Alimentares e largas Jornadas Desportivas...que no conjunto transformaram o nosso corpo num receptáculo dócil e pacífico, dos mandatos sociais de uma sociedade dominada pelo êxtase da imagem e da sua comunicação...
Segundo esta fórmula, símbolos como o vestir e o vestido, transformaram-se na prolongação do corpo, como se fosse a sua segunda pele, assim como o automóvel se transformou na prolongação do caminhar e o computador é uma extensão do nosso cérebro. Como "próteses" estes objectos estão desligados do corpo mas afectam a sua anterior autonomia.
No caso dos computadores espreitemos hoje, como as ferramentas digitais ampliaram o campo das Belas Artes na sua relação com a Medicina. E como no jogo da «Aparência Individual», todos os dias nos deparamos com métodos e técnicas para rejuvenescer o corpo ou partes dele, sempre comandadas pela indústria farmacêutica. Os cremes e produtos de beleza, são infindáveis como são elixires de "eterna juventude". As rugas, a calvície, os cabelos brancos, "pés de galo", peles secas e textura "casca de laranja"...etc, conformam signos de "anátemas sociais" com implicações psicossociais e individuais apenas sanadas por "estéticas reparadoras".
Ao exposto, juntou-se a «Indústria Alimentar» com as suas teologias sobre alimentação e produtos naturais, com rigorosos regimes alimentares que prometem a longevidade senão uma vida "ad eternum". A «Indústria do Desporto» e as largas jornadas desportivas associadas aos ginásios medram por todo o lado. Por fim a «Indústria da Moda» com as medidas standard e limitadas aos (M,L, XL, XXL) impõem uma selecção (anti) natural que nem os puristas de uma raça ariana imaginaram.
Está por contabilizar as mortes por danos de operações plásticas, a ingerências de produtos químicos para a manutenção de corpos atléticos e as mortes por dietas rigorosas e os casos de anorexia. Fenómenos supostamente estéticos que afectam gravemente a saúde pública dos países industrializados.
Nesta sociedade Pós Moderna, até parece que o culto do corpo passou a ser, o único argumento para se ter existência social e profissional...porque agora não bastam os masters ou doutoramentos, mas muitas horas de sacrifícios em ginásios ou desportos radicais…para que o estímulo visual de quem nos olhe seja constante, mas também estimule a libido.
No presente, muitas Top-Model e Atrizes, vivem momentos de terror ao serem substituídas por caras e corpos digitais, porque muitas das imagens que actualmente vemos em revistas, publicidade e filmes já são mera ilusão.
A realidade é cada vez mais virtual e sujeita à manipulação digital! Até a anterior beleza das formas escultóricas e pictóricas está a emigrar para este mundo digital.
Os gráficos e os retocadores de imagens já falam em dietas digitais! Estreitam-se ancas, adelgaçam-se cinturas, alongam-se as pernas ou mãos, criam-se ou desfazem-se cabeleiras, muda-se a cor dos olhos, contornam-se seios e mamilos, alteram-se traços de rosto, enchem-se lábios, e nas modelos com mais idade, retiram-se rugas, celulite, pele de laranja, papos debaixo dos olhos, em suma todos os vestígios do passar do tempo e do normal envelhecimento.
Para os cirurgiões plásticos e esteticistas é o verdadeiro terror! As celebridades televisivas, se não tivessem de aparecer no dia-a-dia, ou se só aparecessem nos ecrãs e revistas “Cor-de-rosa”, dispensavam os seus serviços! Com pele com retoques digitais até passam a ter pele de porcelana! Na Europa usa-se um look mais “natural”. Apagando-se dos rostos as manchas, sinais, sardas, estrias…
Nos Estados Unidos compõem novos rostos e corpos pelo somatório de traços de rosto e fragmentos do corpo, que são estatisticamente escolhidos, como os mais corretos e os mais desejados. Será isto uma conspiração? Uma manipulação por novos ideais físicos de beleza? É a era do terrorismo da imagem ou o Conceito da Beleza chegou ao limiar da irrealidade?
Os detratores da “Manipulação Digital” dizem que esta técnica é uma arma nas mãos do inimigo; um ideal de beleza impossível de alcançar na realidade, e pela maioria da população. E mesmo nessa minoria – modelos, manequins e atrizes- sujeitam-se, na prática, a remodelações cirúrgicas dos corpos e rostos, mesmo em idades que biologicamente talvez não se justificasse.
A perda dos sinais de juventude, tornou-se um sinal de perda da beleza que a sociedade Ocidental se habituou a idolatrar, é obviamente mais raro ver-se, jovens a insuflar os seios, encher os lábios, afundar as bochechas ou pretender tornar as nádegas mais firmes e espetadas...Promovendo-se com imagens de corpos e faces perfeitas que na verdade não existem e são pura realidade virtual.
No entanto este facto é muito anterior à era digital. A mudança pretendida já era feita, com métodos clássicos morosos e dispendiosos (filtros ópticos, manipulação na revelação e impressão, tanto em pinturas como fotos e colagens).
Quem garante que o retrato de Nefertiti corresponde à sua verdadeira imagem ou que o retrato de Isabel de Bragança pintado por Ticiano corresponda ao rosto daquela rainha de origem Portuguesa. Note-se que Ticiano nunca esteve perante a modelo, esta foi-lhe descrita.
A imagem na era digital tornou tudo mais acessível, não só do ponto de vista técnico, como do custo económico, democratizando-se os “retoques”! Hoje, até as fotografias “pessoais e de família” podem ser retocadas com os vários programas que o mercado de softward dispõe e os smartphones vêm apetrechados de aplicações que melhoram o rosto, tiram rugas, etc.
Outro especto, não despropositado relaciona o facto de as top model terem usado e abusado do seu estatuto: honorários chorudos e comportamentos caprichosos, acabando por tornar mais rentável a criação de “manequins virtuais”, na época do Capitalismo Avançado.
Aí estão as “Lara Croft´s”, Ananovas , Triumph Models On-line ou até a, em tempos, a apresentadora virtual portuguesa na RTP- “Ligações Perigosas”.
Eyes Wide Shut, é um filme com mulheres perfeitas, digitalmente, em orgia cinematográfica, tal como nas produções de moda de corseria/lingerie Triumph com modelos digitais…será este o admirável mundo novo da imagem num futuro próximo. Sai mais barato às indústrias e rende milhões!
Contra tudo isto resta a necessidade das celebridades, envolverem-se em histórias e historietas, para exporem publicamente a sua privacidade para sobreviver à realidade virtual e fazer sonhar quem deixou de sonhar… As bonecas digitais não têm vida própria e não cobram os honorários daquelas. Estão por contabilizar os danos, a nível da saúde física e mental, que tudo isto planta na mente das mulheres ( e homens) que todos os dias se sentem perseguidos por ideais não alcançáveis de beleza.
António Delgado
Docente do Ensino Superior