Disruptores Endócrinos


Vivemos num mundo tóxico onde os chamados disruptores endócrinos interferem com o normal funcionamento das nossas hormonas. Sou médica há mais de 34 anos. Os últimos mais de dez anos da minha carreira profissional foram dedicados à Modulação Hormonal e Medicina Anti-Envelhecimento. E muita coisa mudou nestes últimos dez anos. Podemos constatar isto verificando o que nos rodeia, e o que vemos hoje nas consultas que não víamos há dez anos atrás. Eu via a menopausa aparecer aos 50 anos, e hoje vejo que cada vez mais cedo a mulher entra em menopausa. A maioria que me chega está na década dos 40 e algumas até mais cedo, mesmo sem perturbação genética como é o caso da Síndroma do X fragile, uma das causas da menopausa precoce. A puberdade e a menarca (início da primeira menstruação) eram comuns no meu tempo aos 14 anos e no da minha avó aos 16 anos. Agora vemos meninas de 8-10 anos a menstruarem. O cancro tornou-se uma “epidemia”. Alguns deles são 4 vezes mais comuns do que há 50 anos atrás, como os cancros de testículo, mama, próstata ou tiróide. Em 1900, o cancro não constava da lista de “doenças comuns” nos EUA, e o Enfarto Agudo do Miocárdio foi descrito pela primeira vez em 1933 na literatura médica por um médico americano Paul Dudley White. E em 1960, 30 anos depois, doenças cardiovasculares e cancro são a primeira e segunda causa de morte no mundo ocidental. O que mudou? A industrialização da alimentação, a agricultura, o boom do pós-guerra, a utilização da “pílula”, a emancipação das mulheres, e a necessidade de consumir tudo mais facilmente preparado, processado. O uso de plásticos teve o seu maior desenvolvimento durante este período também. As empresas petroquímicas no pós guerra em 1945, desenvolveram-se imenso e sempre com mais e novos produtos no mercado. Começámos a criar mais e mais disruptores endócrinos. E o plástico é sem dúvida o maior disruptor endócrino, pois podemos considerar que estamos na “era do plástico”. E todos os disruptores endócrinos nos vão matando lenta e silenciosamente. 

 

Disruptores Endócrinos o que são? 

As hormonas são como vimos mensageiros químicos, secretados principalmente pelas glândulas, que chegam às células onde actuam em receptores, “viajando” através da corrente sanguínea. 

Elas controlam como vimos todas as funções do nosso corpo: a pressão arterial, os batimentos cardíacos, o açúcar no sangue, a fertilidade, a função imunológica, o nosso humor e emoções, a nossa qualidade de sono, o nosso teor de água, o nosso nível de cálcio, a água que bebemos, a urina que excretamos ... todas as funções metabólicas destinadas a manter-nos saudáveis são controladas pelo sistema hormonal. 

As hormonas dizem às células o que fazer, ligando-se a receptores específicos nessas células. 

É como uma chave numa fechadura: a hormona A encaixa no receptor para a hormona A, e a hormona B, não se encaixará nesse mesmo receptor. 

EDCs (Endocrine Disrupting Chemicals) são produtos químicos que podem imitar a forma da hormona e podem actuar no receptor em vez da hormona. 

Os disruptores endócrinos ao ligarem-se ao receptor da hormona podem imitar o seu efeito, ou bloqueá-lo e originar processos anómalos. Isto pode levar a consequências muito graves à nossa saúde por interferência hormonal. 

 

O plástico é o disruptor endócrino principal 

Isto porque tem em sua composição substâncias semelhantes ao estradiol, como o bisfenol A (BPA), que assim actua no receptor do estradiol, interferindo com o seu normal funcionamento. 

Substâncias como o Bisfenol A, que actuam de forma semelhante ao estradiol e podem ocupar o seu receptor nas células são chamadas de xeno estrogénios. 

O plástico e xenoestrogênios podem ser encontrados em várias coisas que usamos na nossa vida diária. O revestimento das latas (BPA), Plásticos, “Fragrances”, Detergentes, Perfumes, Champôs, Sabonetes, Pesticidas, Insecticidas, Herbicidas, Produtos químicos de limpeza a seco, Panelas antiaderentes ( químicos perfluoretados), Produtos de higiene pessoal, Metais, Químicos industriais, Medicamentos farmacêuticos, Hormonas não bioidenticas... 

Mesmo sem o BPA, os plásticos têm na composição outros EDC como formaldeído, ftalatos, benzeno, dioxina e cloreto de vinil, entre outros. Na verdade, existem mais de 100.000 EDC já conhecidos, e podemos encontrá-los por toda parte. 

O nosso corpo tem cerca de 200 produtos tóxicos em cada momento e eles podem perturbar o nosso sistema endocrinológico. 

E se pensarmos que pequenas doses não nos afetam, e apenas grandes doses podem ser um problema, não poderíamos estar mais errados, dados os efeitos acumulativos dos diferentes tóxicos que temos concomitantemente. 

Comece desde já a recusar sacos de plástico e a reutilizar os que já tem. Use de preferência sacos de pano. Um saco de plástico está em média 12 minutos nas nossas mãos e permanecerá eternamente na natureza destruindo-a. 

Os impactos negativos na nossa saúde são observados assistindo-se assim a imensas alterações consequentemente. 

A fertilidade diminuiu em 50% nos últimos 50 anos, devido não apenas à baixa qualidade do esperma, mas também devido à endometriose, síndrome dos ovários poliquísticos, abortos. 

As anormalidades do trato reprodutivo masculino e feminino duplicaram nos últimos 50 anos. Casos de intersexualidade ou genitália ambígua são cada vez mais frequentes. São situações em que ao nascimento não sabemos se se trata de rapaz ou rapariga. 

Alterações entre as relações de hormona masculina/hormona feminina, entre os sexos, faz-nos ver de forma crescente homens com corpos efeminados e a mulheres com corpos e traços masculinizados. 

Também obesidade, diabetes e problemas cardíacos aumentam a cada ano. Uma em cada 5 crianças nos EUA é obesa e 1/10 adultos é obeso. A diabetes aumentou mais de 5% ao ano em alguns países. 

Costumávamos classificar a diabetes tipo 2 como uma “doença de início em adultos”, e agora vemos crianças com 5 anos com diabetes tipo2. 

A doença cardíaca e o cancro são as duas causas mais frequente de morte no mundo civilizado, o que significa em países onde há mais disruptores endócrinos. 

A puberdade precoce é outro problema. As primeiras menstruações apareciam no tempo das nossas avós aos 16 anos e hoje em dia vemos meninas de 8 e 9 anos a menstruarem! Estamos a esquecer-nos do que é “normal”. 

E a puberdade precoce está ligada a alguns problemas sérios, como problemas psicológicos, depressão, baixa estatura e mais cancro de mama. 

Também o cancro, por baixa dos nossos sistemas imunitários é um problema que cada dia nos preocupa mais. Cancros de mama, próstata, tireóide e pâncreas estão entre  os mais frequentes nas populações ditas “civilizadas”. O cancro do testículo aumentou cerca de 400% desde 1943 e é o tumor mais frequente entre adultos jovens. 

 

FACTORES DE RISCO PARA O CANCRO DO TESTÍCULO
Testículos que não desceram, pénis pequenos e distância anogenital reduzida. E nós podemos causar tudo isso em animais de laboratório usando ftalatos, um dos componentes dos plásticos. Parece existir uma ligação direta. 

Também laboratorialmente podemos ligar a asma ao bisfenol A, outro componente do plástico. E assistimos a muito mais problemas cognitivos, comportamentais e outros problemas no desenvolvimento do cérebro. Déficit de Atenção e Hiperatividade é uma “doença” que eu não estudei quando estava na universidade. É uma doença “nova”. As crianças estão a ser cada vez mais medicadas com todas as perturbações que daí advirão. 

E o risco maior é durante o desenvolvimento pré-natal e pós-natal imediato, quando os órgãos e o sistema neurológico se estão a desenvolver. Poderíamos dizer que o maior perigo se encontra no recém nascido. Eles têm no seu corpo centenas/milhares de produtos químicos. Embora uma determinada dose de um produto químico disruptivo possa não afetar significativamente a mãe adulta, a mesma  dose pode causar danos substanciais num feto em desenvolvimento. Estudos de amostras de sangue do cordão umbilical de recém nascidos mostram a presença de BPA e ftalatos. 

Os produtos químicos estão associados a doenças do fígado, infertilidade, cromossomopatias fetais, entre outras. 

E 9 em cada 10 americanos têm BPA no sangue. Há estudos que referem que 99% das mulheres grávidas estudadas tinham PFC (produtos químicos Perfluorinados utilizados em panelas antiaderentes) e PBDE (polibrominated diphenil eters, utilizados em retardadores de fogo) no sangue! 

Não devemos esquecer a ameaça que os plásticos representam para a humanidade. Alguns especialistas afirmam que em menos de 200 anos a humanidade pode ser extinta. 

 

De onde vêm os disruptores endócrinos (EDCs)? 

Eles podem vir de qualquer lugar. Da comida que comemos, da água que bebemos, do ar que respiramos, da pele, da mãe para o feto através da placenta... 

Os produtos que usamos diariamente podem conter EDCs: plásticos, móveis, revestimentos, papel, copos e latas (são revestidas por substância que contém Bisfenol A (BPA)

 

ENTRE OS TÓXICOS QUÍMICOS MAIS COMUNS TEMOS:
• Formaldeído- presente nas carpetes, tintas, lã de vidro, cerveja, vinho, colas sintéticas, vernizes e outros polimentos, cosméticos, shampoos, pasta de dentes e elixires bucais, etc; 

• Compostos organo-cloretos-Presentes nos pesticidas, solventes de gorduras, resinas de plásticos (PVC,polivivilcloreto; PCB, policloretobifenil, ambos potentes carcinogénicos usados em materiais plásticos e equipamentos eléctricos); 

• Penta-cloro-fenol-proibidoparauso doméstico mas com permissão na indústria e utilizado para revestimentos de madeira, colas, tintas e impregnações de cabedal. 

 

São inúmeros os poluentes e tóxicos com que contactamos diariamente. Estão cerca de 120.000 já identificados, pelo que é inevitável a nossa exposição diária a eles. 

Fiquei muito surpreendida ao descobrir que os pacotes de chá e recibos de “papel” contêm plástico. Os recibos de papel térmico comumente usados em mercearias e restaurantes têm o papel comumente revestido com substância que contém BPA para poder ser impresso. 

E mais uma vez relembrar que a comida é a maior fonte de produtos químicos
talvez, no nosso corpo, pois no processo de armazenamento, transporte, cozinhamento
e processamento do alimento, mesmo no utensílio utilizado para ser cozinhado, se libertam substâncias que entrarão na nossa circulação. Todos estes produtos químicos terão um impacto nos receptores, secreção, transporte e metabolismo das nossas hormonas. 

Comer e beber de latas aumenta a exposição ao BPA em até 1600%. 

Até mesmo a água, a “fonte da vida”, pode ser um cocktail tóxico se for engarrafada e exposta ao calor. Um único copo de água da torneira pode conter mais de 2500 diferentes contaminantes químicos. A “fonte da vida” está a matar-nos como uma epidemia silenciosa. 

Um bom filtro de água pode reduzir a exposição ao chumbo na água potável. O chumbo é muito tóxico para o cérebro e pode levar à perda de QI e danos cerebrais irreversíveis. 

Mas mesmo a utilização de um “bom” filtro não vai retirar “todos” os tóxicos eventuais. Deve ser efectuada uma limpeza de manutenção para que não sejam fontes de outros problemas, como bactérias indesejáveis. 

Sobretudo a grávida deveria pensar nisto, pois é o único momento em que pode alterar as condições de formação do seu bebé, que ficará formado para o resto da sua vida. 

As mulheres grávidas deveriam estar bem elucidadas sobre este problema e ter ainda mais cuidados. Mas ninguém as esclarece e a grande maioria nem pensa nisto. 

Somos todos responsáveis e, portanto devemos agir.

 

 

Dra. Ivone Mirpuri
Médica Patologista Clínica especialista em Modulação Hormonal

sexta, 09 de outubro de 20