Empatia e tolerância
A história conta-nos que o ser humano sempre viveu de diferenças. Em eras ancestrais, quando imperava o poder absoluto em detrimento de qualquer direito humano, as classes sociais representavam sociedades marcadamente estratificadas, onde o nascimento ditava a que grupo se iria pertencer durante a vida.
Com a evolução dos tempos e o crescimento de conceitos como a empatia, solidariedade e igualdade, o ser humano começou a olhar em outras direções, considerando de uma forma diferente a existência da dignidade e da possibilidade de olharmos os nossos semelhantes como seres únicos e com direitos, independentemente de critérios sociais. Porém, estamos ainda longe do pretendido, sendo que não poderemos considerar que todos os direitos contemplados na Declaração Universal das Nações Unidas, são cumpridos.
“A igualdade e a partilha encontram-se associadas a outras grandezas, que não contemplam a competição.”
Se olharmos para a Europa e para o ciclo migratório atual, percebemos de imediato o quão ténues estão estes conceitos. Não raras vezes, convido a quem me rodeia que se tente projetar no outro. Que tente imaginar o que é ter de sair do seu país de origem para salvaguardar a segurança da sua família e como seria ter de atravessar o oceano dentro de um barco de borracha, com crianças de colo no regaço, sem saber se chegariam a bom porto, ou se chegariam a porto nenhum.
Como seria ainda recomeçar num lugar hostil, onde os olhos alheios são de crítica ou de resistência, e onde a censura social se impõe intensamente, sem margem para aceitação ou para colaboração. Ou como seria ter perdido familiares nesta travessia do demónio, tão ou mais violenta como as tormentas do cabo bojador, que na época eram representadas por monstros e criaturas terríveis, e que agora se concretizam em morte e também em esperança.
As reações são muito diversas, mas não raras vezes encontro o julgamento cultural como uma justificação plausível para justificar as atrocidades que se dizem e cometem, sob o desígnio da religião.
Focarmos o nosso olhar no crescimento e na educação, talvez fosse um princípio interessante para percebermos até que ponto fomentamos nos nossos filhos e nos nossos jovens, o conceito de igualdade, de equidade e de sintonia.
Numa sociedade global que defende a competitividade como forma de vida, não me parece que sobre muito espaço para acolher e tolerar a diferença em pleno conceito, para que se respeite o outro na sua totalidade, enquanto ser humano.
A igualdade e a partilha encontram-se associadas a outras grandezas, que não contemplam a competição. Ora vejamos: Se as crianças nas escolas fossem ensinadas a partilhar e a ajudar os colegas, não faria sentido os quadros de honra, que mais não fazem do que incentivar a diferença e premiar a capacidade cognitiva.
O ideal, seria premiar a capacidade de trabalho, que nem sempre está associada ao nível cinco no ranking da classificação. Continuo a encontrar na nossa sociedade os chamados “meninos de bem” e os chamados meninos que são “más companhias”. Sem que ninguém se debruce a sério sobre as fracas oportunidades associadas à vida destes últimos, ou sobre a panóplia de opções a que os outros têm direito, por questões culturais, financeiras e sociais. A tendência é sempre a perpetuação e a continuidade, muito embora exista a crença social de que quem tem poucos recursos, pode igualar com facilidade quem teve mais opções. Pode igualar, é um facto, uma quebra de corrente, uma inversão. Pode subir a pulso, pode vencer, pode ter sorte, trabalho, competência ou oportunidade, pode ter a coragem de vencer os obstáculos e efetuar um trajeto de ascensão. Mas para o fazer necessita de empreender um esforço acrescido, que derrube as barreiras erguidas nas mentes do mundo, um estranho muro que quase todos sabemos que existe, que muitos insistem em negar, e que outros tantos arriscam sonhar que já caiu.
Urgente seria iniciar o percurso de baixo, numa intervenção primária, difícil, mas possível, que nos levaria a iniciar na base uma consciência social mais ampla e mais abrangente. O caminho não está no início. Apesar da distância ao ideal, encontro nos jovens de hoje uma visão mais humana, mais livre, mais colaborante. Olho-os muitas vezes de perto, escuto-os com muita atenção, e pasmo muitas vezes com a mudança de paradigma que os coloca a anos-luz de distância de muitas pessoas mais velhas, com visões deturpadas e marcadamente conduzidas pelo racismo, pela xenofobia, pelo preconceito, ou tão só pelo medo. Arrisco dizer que vamos no caminho certo para enraizar nas gerações mais novas a colaboração, a aceitação, a entreajuda, a empatia.
O outro, sou eu. Eu sou do mundo. O mundo é de todos nós.
Autor: Carla Ferreira - Médica Psicóloga na Clínica de Olhalvas e Policlínica da Benedita
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Nota: Este artigo não serve como aconselhamento. O seu fim é estritamente informativo e não dispensa, em caso algum, a análise específica do seu caso em concreto.