Entrevista a Miguel Almeida Bruno, Fotógrafo de Vida Selvagem


Miguel Almeida Bruno estudou arquitectura e design gráfico mas o chamamento de África, onde passou os sete primeiros anos de vida, foi mais forte do que quaquer destino mais previsível.
Organiza Safaris e é fotógrafo de vida selvagem porque teve coragem de seguir os seus sonhos. 

Acredita que a vida não é para dramas e que face a todas as dificuldades as pessoas devem re-inventar-se em vez de juntarem queixas e coleccionarem amarguras.

Tem 58 anos, 3 filhas e 180.000 imagens que nos surpreendem sempre, pois transparecem a dedicação e o respeito que sente por cada protagonista humano ou não. 

 

O que o fascina em África? 

Tudo o que esteja ligado à Natureza! As paisagens, o cheiro do mato, o nascer e o pôr do sol, a vida selvagem, os povos e as suas surpreendentes culturas. 

 

E o que menos aprecia? 

As cidades! Prefiro os “homens do mato”, esses são os genuínos! 

 

É um amor eterno ou imagina-se a fazer outra coisa?
É sem duvida um amor eterno mas há muito mundo para explorar e quem sabe posso ter mais que “um amor”? 

 

Considera-se corajoso? 

Sim, o suficiente para poder ser um bom Guia de Vida Selvagem e para me fazer respeitar por pessoas de outras culturas e hábitos e que têm normalmente má opinião dos que consideram intrusos... Estar num territórrio adverso impõe a necessidade de uma série de regras e disciplina que devem ser cumpridas e bem entendidas, porque é delas que depende o sucesso das expedições. Saber controlar o medo é importante, nunca permitir que me controle ou desonre. 

 

A imprevisibilidade dos seres vivos, humanos e não humanos, já o apanhou desprevenido, em alguma situação que considerou perigosa? 

Por vezes as aproximações aos “não humanos” que consideramos seguras nem sempre o são. Há surpresas mas felizmente nunca tive um acidente.
Com humanos já tive algumas surpresas e corri perigos necessários para (por exemplo) manter a disciplina e o respeito imprescindíveis. Sem essa disciplina, não seria possível gerir bem um acampamento. 

 

A maioria das pessoas que vê, sentada no sofá programas de vida selvagem poderá perguntar-se o que faria na presença de um leão ou de outro qualquer animal. Já apanhou algum susto? 

Vários, o importante é manter a calma e o sangue frio. Encarar o animal e afastar-nos sem nunca lhes virarmos as costas e muito menos correr. Não nos podemos comportar como uma presa ou é numa presa que nos tornamos. Os animais não nos querem fazer mal e com toda a legitimidade por vezes também não nos querem no seu território. Temos de os respeitar e respeitar os seus instintos. 

 

Por outro lado já foi surpreendido por uma reacção de afecto?
Eu diria curiosidade em vez de afecto. Várias situações especialmente em “camp sites” onde estamos mais inseridos no seu território. Uma vez num em Moremi (Delta do Okavango) depois do jantar e ainda com a fogueira acesa, uma hiena aproximou- se para me cheirar (não me mexi claro) e mais do que uma vez elefantes entraram no nosso acampamento para comer folhas da àrvore que nos abrigava do sol (reagimos com serenidade e eles comeram o que queriam sem qualquer reacção constrangedora). 

 

Algum animal preferido? Porquê ? 

Entre o leopardo (por respeito) e o elefante (por admiração) não sei qual escolher.
O leopardo por ser solitário e porque sei que numa vida dura como é a do mato, cheia de riscos é necessária muita astúcia e saber avaliar correctamente as situações para não correr riscos. O elefante pela sua inteligência e relacionamento social, respeito hierárquico e espírito de entre ajuda e protecção para com os outros membros da família. 

 

Alguma semelhança com o seu carácter? 

Acho que tenho um bocadinho dos dois! ;) Gosto de estar no mato sozinho (absorvo mais e tenho o meu tempo só pra mim) mas também gosto de vir à cidade para estar com amigos e família de quem tenho saudades. 

 

A vida selvagem é tambem brutal e sem margem para clemências. Já teve vontade de salvar uma cria de um desfecho infeliz , o de ser morta por um perdador? 

Sim, claro mas não devemos interferir com a natureza por muito que nos custe.
O desfecho infeliz de um ser é o desfecho feliz de outro. Não devemos alterar esse equilibrio.
Uma vez em Ndutu (no Sul do Serengeti) uma cria de gnu acabava de nascer e devido a uma aproximação excessiva dum carro de turistas, a mãe assustada logo que deu à luz levantou-se e correu assustada para perto da manada, deixando a cria abandonada. Eu com o meu carro tentei empurrar a cria para a manada. A muito custo consegui! Não sei se mãe e cria se voltaram a encontrar, espero que sim. Tentei resolver o que ocorreu devido à proximidade humana. 

 

Porque razão começou a fotografar? Sei que é possivel adquirir uma das suas incriveis fotografias. Como poderão fazer os interessados? 

Comecei a fotografar porque organizando safaris FOTOGRÁFICOS e sendo guia de vida selvagem, não o poderia ser se não soubesse o que procuravam os fotógrafos, os melhores ângulos, a melhor luz. 

Tive sempre a intenção de me tornar um fotógrafo profissional e isso não depende dos cursos que se possam fazer mas mais da sensilidade. E neste caso preciso da fotografia da Vida Selvagem é importante poder antecipar o que vai acontecer e para isso há outro factor crucial . o de conhecer o body language dos protagonistas. Não há tempo para repetições ou acertos de luz. Tornamo-nos profissionais a partir do momento que comercializamos as nossas imagens. É fàcil adquiri-las: uso as redes sociais (Facebook e Instagram) para promover os destinos e as fotografias. Basta entrar em contacto comigo! 

 

Sao 30 anos em África, 30 anos de aprendizagem e de testemunhos. Para quando um livro com todas essas relíquias?

Acho sempre que ainda me falta este ou aquele destino, esta ou aquela etnia para fotografar, esta ou aquela fotografia... mas está para breve, bem como mais exposições e até trabalhos de fusão com outros artistas. 

 

E sobre as tribos que encontra, que tem a dizer sobre a sua afabilidade?
Há sempre umas mais afáveis que outras como seria expectável. Na sua maioria afáveis e aceitam ser fotografadas a troco de umas vendas de artesanato ou de alguns bens que lhes levo (arroz, farinha, sal, etc.). Não posso dizer o mesmo de Marrocos! Gente muito complicada... 

 

Qual a sua opinião sobre o movimento importado dos EUA, “Black Lives Matter”? Para quem como o Miguel vive numa porporção inversa em paises onde a quantidade de negros é a maioria, algum dia lhe apeteceu gritar White Lives Matter? O que pensa do racismo? 

Gostaria de começar por dizer que tenho amigos africanos e pretos e que gosto muito deles.
Em quase todos os países africanos senti descriminação e até racismo, por ter a pele branca. Podia contar aqui uma série de histórias desde não ser levado a sério quando me assaltaram a casa em Moçambique e depois de ter sido eu a apanhar o gatuno (porque a polícia nem se “mexeu”), até à juíza achar e dizer-me em pleno julgamento, que eu por ser “branco” (porque é assim que nos tratam) poderia perfeitamente voltar a comprar tudo o que me tinha sido roubado. Nem a polícia se dignou a investigar. Há descriminação sim! Há países africanos em que enganar um branco é motivo de orgulho mas quando tal ocorre entre eles passa a ser grave! Podem ser mesmo espancados pela polícia ou condenamos num julgamento popular de forma sumária. Ser branco em África faz com que tenhamos obrigações, como por exemplo levar os filhos dos empregados à mesma clínica onde levamos os nossos filhos. O que faço sem qualquer reserva porque a saúde na maioria dos países é má sem esperar qualquer gratidão. 

Podemos ter a esperança de evoluir como seres humanos sem ligarmos à cor da pele? Pouca gente se considera racista até porque hoje em dia é reprovado pela sociedade, mas  há quem se assuma, conheço vários, sobretudo negros! Podem ser traumas, histórias do
passado que não ultrapassam, complexos e/ou frustrações, mas sobretudo falta de discernimento na forma de pensar sobre as relações entre raças. Uma coisa é sabermos
que a mistura de raças é algo difícil por vezes até impossível pela disparidade cultural, outra é marginalizar. Há incompatibilidades entre raças sim, mas se soubermos encontrar um equilíbrio conseguimos conviver , como sempre tem que haver cedências e compreensão e condescência. As generalizações são sempre pobres. Todos sabemos que há escravatura em Africa, Médio Oriente e Àsia e eu pergunto, porque não se aplicam essas organizações e esses partidos políticos, que estão por trás de todas estas manifestações em acabar com ela, já que estão tão preocupados com o que aconteceu há décadas e séculos atrás? Atenção,, devo refeirir com mais clareza que NÃO são os brancos a escravizar pretos, ou os Árabes a vender escravos aos brancos...é entre pretos que isto acontece! Há miúdos menores a trabalhar em minas na República Democrática do Congo, bem como escravidão sexual. Pergunto sempre, se esta é uma preocupação real? 

E para terminar, deixo-vos um exemplo: que aconteceria se eu criassse uma plataforma de viagens só para Brancos? Isso não seria racismo ou descriminação? Claro que sim! Pois, mas há uma só para negros sabiam? Chama-se Black Voyageurs https:/blackvoyageurs.com/ e com isto termino o tema. 

 

Os paises africanos ainda se debatem com o problema da caça furtiva. Poderão as gerações futuras ainda ter o previlegio de conhecer um leao no seu habitat? 

Espero bem que sim! Infelizmente essa é a realidade de hoje em dia e toda a gente sabe porquê. Há dois tipos de caça furtiva. A de “bushmeat” ou seja, uma caça desordenada e sem regras de conduta para alimento.
Obviamente sem o mínimo de ética em que os caçadores furtivos colocam armadilhas estrategicamente por esse mato fora e por isso nada selectiva. Esse tipo de caça dizima por completo as populações de animais selvagens e desequilibra os ecossistemas, além
de que causa um enorme sofrimento e agonia ao animal. Há outra fomentada pelos mercados asiáticos (China e Vietname) ao elefante em busca do seu marfim, ao rinoceronte pelo seu corno, ao pangolin pelas suas “escamas”, aos leões pelos seus ossos, etc. Ou seja, o mercado asiático inventa sempre algo para destruir em Africa e para seu consumo mas o pior é que na maioria das vezes é com a conivência do poder local pois eles pagam bem a quem o deixa “destruir livremente”. 

 

Que safari aconselharia aos leitores? Quantos tipos diferentes de safaris organiza?
Para quem quer ver animais (com fartura) sem dúvida que a Tanzânia por causa da “The Great Migration”. São 2.5 milhões de Gnus e Zebras em constante migração em busca de nutrientes e com ela “arrastando” um ecossistema e muita acção durante os 365 dias do ano, com a vantagem dos aspectos culturais onde a tribo Masai é que “manda”. 

Se o objectivo são paisagens vislumbrastes, a Namíbia é de cortar a respiração com os seus desertos a perder de vista, dunas e montanhas que só ali há e cultura com os himbas no Norte do País. A época (para ver animais no Etosha) vai somente de Maio a princípio de Novembro.
Se o objectivo for mais aventura e ambientes variados, o Botswana é fantástico, com floresta no Delta do Okavango, deserto em Central Kalahary ou em Makgadikgadi e rio no Chobe no Norte. Mas aqui a temporada também é curta (de Junho a Novembro) devido ao excesso de água no terreno e isso faz com que os animais se dispersem ou que os carros não possam circular (especialmente em Sua Pan Makgadikgadi ou no Delta). Mas há muitos outros como Uganda para ver os Gorilas de montanha, ou Etiópia para ver cultura. Há de tudo, mas como qualquer viagem em busca de novas EXPERIÊNCIAS há que contratar especialistas para não só ir na época errada para o que quer, como também ser bem servido. Um safari não é barato por essa razão se deve escolher bem. 

 

Com que antecedência se deve marcar um? E os preços podem ser sonhados pela maioria dos mortais?
Normalmente os mercados que mais frequentam destinos de safaris marcam com bastante antecedência (normalmente de um ano para o outro) deixando para os outros mercados (ex: latinos) “as vagas”! Ou seja se marcar com 6 meses de antecedência já é bom... “ainda pode escolher” mas se marcar com dois ou três meses limita-se ao que ainda há disponível o que nem sempre é só uma questão de preço mas de localização. Eu explico com um exemplo: para ir ao Norte do Serengeti ver a migração a cruzar o Rio Mara quanto mais perto do rio ficar melhor. Mais hipótese tem que chegar ao nascer do sol e essa é a melhor hora. Por outo lado pode perder muito tempo em deslocações
e assim perder tempo precioso pois tem horas limite para circular dentro de TODOS os parques nacionais. Além de que os voos internacionais são tão baratos quanto maior for a antecedência da compra. 

 

Revoltado com o confinamento a que foi forçado desde Fevereiro? Como ocupou o seu tempo longe das savanas?
Revoltado não! Preocupado sim! Preocupado com a economia mundial (excepto com a China pois parece-me que essa ganhou em vez de perder). Não sou o género de “chorar” quando algo de menos bom acontece. Tento aprender, aproveitar e criar. Portanto estou com um projecto novo para a Tanzânia (ainda no “segredo dos Deuses” pois é inédito naquele país) e antecipei a venda de fotografias que tem corrido bem mas vai correr melhor depois das exposições que estou a planear entre outras acções, tais como trabalhos conjuntos com artistas plásticos, etc. Acho que a pandemia nos obrigou a unir esforços e a descobrirmos em nós a capacidade de reinvenção e essa é a parte boa desta história toda. 

 

Quais os seus valores? 

Pela educação que recebi não só em casa como nas escolas e instituições onde andei e recebi formação, preservo valores morais que também eu tento passar ás minhas filhas tais como honestidade, amizade, generosidade, integridade, transparência, responsabilidade, humildade, entre outras que agora parecem estar “démodé”. Tento ser e transmitir aos meus descendentes que ser livre trás-nos obrigações e deveres, sobretudo os cívicos porque ser livre é também saber respeitar o próximo e a liberdade deste. 

 

Acredita na felicidade? E no amor? 

Acredita que os animais o podem sentir?

Claro que sim! Nos dois! E essas são as nossas duas maiores conquistas da vida e falo por experiencia própria fazendo o que mais gosto. Sou muito feliz no mato e ao pé dos “meus” bichos de camara fotográfica em punho. Sobre os animais NÃO sei, mas acho que é mais instinto e sentido de protecção também ele instintivo o que é bom tendo em conta que há uma cadeia alimentar a respeitar e que essa é inevitável. Se assim não fosse teríamos uma quantidade de impalas em depressão, a correr pra psicólogos ou a cometer suicídio. Há uns com um pouco mais de inteligência que me parece sofrerem mais com as perdas como por exemplo o elefante. A infelicidade nos animais encontro-a muitas vezes em Jardins Zoológicos, Aquários, Circos e claro animais enjaulados a monte em mercados na China à espera de uma morte horrenda.
Chego sempre a esta conclusão! O pior animal à face da terra é mesmo o homem!

quarta, 23 de dezembro de 20