O papel do idoso na sociedade actual


Longe estão os tempos em que a idade representava um posto na hierarquia social. Os relatos históricos transportam-nos para uma era onde os mais velhos eram detentores de poder e onde o cuidado dedicado aos mesmos era efectuado como regra familiar, sendo indiscutível a sua prestação por parte dos mais novos.

De há uns anos a esta parte, com a modernidade e os avanços da economia, o sistema de valores alterou-se e o foco passou a ser a produção no lugar da sabedoria. Esta mudança de paradigma colocou as pessoas de idade num lugar de peso e estorvo, o que se nota em todas as dimensões da nossa existência. Os lares surgem em massa para dar resposta às necessidades indiscutíveis da ocupação permanente dos familiares idosos e tornam-se num lugar onde a despersonalização pode tomar conta da vida dos nossos ascendentes, sem que na verdade nos possamos dar conta da dimensão do fenómeno. Só quem está lá dentro conhece o tamanho da palavra desenraizar e da solidão adjacente.

Na verdade, estas estruturas munem-se de técnicos formados e vocacionados para criar um cenário habitável, por vezes mais idílico, outras vezes menos aprazível, onde as actividades de estimulação ocupam o vazio de tudo o resto, para que o pensamento não divague e percorra territórios que magoam.

O balanço chega a ser positivo por parte do esforço levado a cabo por tantos profissionais que se comprometem a fazer o que podem, para que os seus utentes não sejam apenas um número que vence o nome, para em tantos casos substituirem a própria familia , mas na prática, o que sucede na história de vida é um acumular de hábitos em cadeia, onde muitas vezes os sentimentos ficam para trás, perdidos algures entre o que já viveram e o resto do fim dos seus dias. Se podemos fazer alguma coisa para contrariar esta tendência, será a pergunta que se impõe.

Não é fácil re-equacionar papéis numa época industrializada, capitalista, focada no produto e na evolução, onde o conhecimento nascido da experiência, parece não ter importância. Os valores crescidos nesta junção de necessidades e interesses, não privilegia de forma alguma o papel individual de cada idoso na sociedade. Num ápice, os valores mudam de forma e não é inédito encontrar famílias que tratam os seus ascendentes de forma demasiado prática e pouco pessoal, esquecendo que são pessoas por quem foram tratados e cuidados quando crianças e que necessitam do mesmo carinho e respeito de sempre. É fácil, quando a cadeia de humanidade não está bem alicerçada, deixar de lado os interesses e vontades de quem já não tem poder e se encontra dependente e vulnerável, cuja vontade perdeu a força da exigência, numa personalidade que normalmente não é fácil, em que o mais prático pode ser o caminho rápido de descartar para longe da vista e das preocupações na escolha da solução estereotipada de um “Lar”.

Em pior condições podem estar os idosos que de alguma forma nem tenham acesso fácil a estruturas de apoio. Há carências económicas, solidão, excesso de burocracias e dificuldades imensas, que passam despercebidas aos olhos desatentos do mundo activo. Uma simples consulta pode ser muito difícil de conseguir. Uma aquisição de géneros ou medicamentos pode ser complexa de efectivar, por falta de meios ou por carência económica. Um dia vazio pode ser muito difícil de preencher, porque os ouvidos chegam cansados ao fim do dia, se é que chegam... e a repetição exaustiva de quem repete em todas as horas os mesmos hábitos, não apetece a quem chega exausto de mais um dia de trabalho. E assim se somam e percorrem o fim dos dias.

Dotar os jovens e as crianças da responsabilidade para com os mais velhos pode ser o início de um caminho árduo, mas o único possível se quisermos ter uma sociedade mais solidária e melhores adultos. Olhar para a vida como vida até ao fim e não como vida enquanto ser activo, será outro dos trajectos desagradáveis. Encarar o idoso como uma pessoa válida e humana, deverá ser o principal objectivo das próximas gerações, por forma a não nos tornarmos numa pequena máquina produtora de bens, mas vazia de afectos. Os afectos fazem parte da condição humana e se conseguirmos prosseguir nesse registo, talvez um dia consigamos recuperar o respeito pela vida, em detrimento do valor da economia.

 

 

Dra. Carla Ferreira 

Diretora de Recursos Humanos

terça, 19 de janeiro de 21