Telemóveis: os perigos do uso excessivo
A rápida evolução tecnológica das últimas décadas tem vindo a transformar drasticamente a dinâmica das nossas vidas, as nossas rotinas e amplamente a vida social.
Vivemos num mundo dominado pelas redes sociais. Os dispositivos móveis, mais concretamente os telemóveis, estão de tal forma introduzidos no nosso dia a dia, que temos a impressão que sempre vivemos com eles. Os telemóveis vão tendo cada vez mais funcionalidades, proporcionando-nos inúmeros benefícios ao tornar a comunicação mais rápida e otimizada, automatizando as tarefas da vida prática, tais como, pagar contas, fazer compras…etc, etc e têm na minha opinião a grande vantagem de facilitar o acesso rápido às diferentes áreas do conhecimento.
Como consequência nefasta as nossas relações interpessoais são crescentemente mantidas a um nível digital, estando em função disso a alterar e a transformar de uma forma profunda os comportamentos de todos nós e da população mundial.
Estamos Como Nunca Globalmente e Semelhantemente Afetados
Há uns tempos numa conferência que um grande professor de Ciências Biomédicas deu em Lisboa ouvi, que no mundo em desenvolvimento, há mais gente com telemóvel do que com casa de banho.
Dependência
Sendo estes dispositivos a extensão das nossas mãos, não só já não podemos passar sem eles, como eles nos ocupam cada vez mais horas diariamente sem termos a noção disso. No entanto, o seu uso prolongado tem efeitos nocivos sobre nós.
O Excessivo USso dos Dispositivos Móveis Pode Causar Problemas de Saúde e Complicações na Vida Social
Quem nunca teve este gesto? Pegou no telemóvel apenas para ver uma mensagem e passou uma dezena de minutos ou até mesmo horas? Este comportamento atinge- nos e torna-se cada vez mais em vício, compulsão.
Pesquisas revelam que em média uma pessoa olha 150 vezes em média para o seu aparelho ao longo do dia . O uso do telemóvel ativa continuamente o sistema de recompensa, estrutura do cérebro que recebe toda a atividade do prazer. Esse estímulo constante é o mesmo que gera as adições (vícios) num processo muito semelhante à atuação de drogas ilícitas. Por este mecanismo que desenvolve a chamada dopamina estamos sempre com necessidade de o usarmos.
O Uso Abusivo dos Telemóveis Pode Gerar Transtornos Psíquicos como a Ansiedade e Posteriormente a Depressão
Por outro lado, o uso do telemóvel exige atenção e concentração. Quando o usamos ou não realizamos outras tarefas ou estamos distraídos de outras atividades. O uso excessivo também conduz à dificuldade de socialização e consequente isolamento.
Somos seres de linguagem verbal e de socialização acentuadas. Quando se comunica apenas por mensagens a palavra falada é eliminada e a inépcia social tende a aumentar tal como os quadros depressivos e isolamento agravado. O uso compulsivo do telemóvel é reconhecido como um transtorno que designado por nomofobia e que significa medo de ficar sem o telemóvel. Longe do dispositivo o indivíduo fica ansioso com a sensação de estar a perder informações importantes ou apresenta sensações de excesso de tédio. Atualmente é uma preocupação de saúde pública em todo o mundo, desenvolvendo-se estudos na área biomédica e da psicologia com a finalidade de serem conhecidas as consequências para a saúde ligadas ao seu uso excessivo, tendo sido reconhecidos os problemas de ordem psíquica, emocional, social, relacional e física.
Uma Coisa é Certa – Estes Aparelhos Vieram Para Ficar
Na rua, pelos passeios, na escola, no trabalho, nas filas de espera, nos transportes públicos e mais perigosamente no carro, as pessoas olham insistentemente para o écran do telemóvel.
Em todo o mundo são os jovens, os adolescentes e principalmente os menores de 13 anos, os que têm maior suscetibilidade de desenvolver problemas relacionados com a dependência dos telemóveis devido à sua falta de maturidade cerebral, mas qualquer indivíduo, em qualquer idade, pode vir a tornar-se viciado. na capacidade de socializar e por esse motivo os relacionamentos pessoais passam a ser sobretudo virtuais.
As relações familiares e o importante diálogo familiar também parecem fortemente ser afetados. Mudanças de comportamento dos adolescentes, isolamento social, agressividade e baixo rendimento escolar são indicativos de problemas e merecem uma atenção especial.
Verificaram-se significativas alterações do sono entre jovens, o que está diretamente associado ao uso de telemóveis e aos jogos de computador. Para além de causarem uma estimulação excessiva cerebral e luminosa, o que provoca uma redução da melatonina - a hormona do sono. Como consequência, temos mais adolescentes com problemas de atenção, memória e capacidade de concentração.
A falta de atividade física inerente ao uso do telemóvel é prejudicial à saúde física e um grande facilitador da obesidade. O uso prolongado dos telemóveis tem sido associado a problemas oculares à secura do olho e olhos cansados devido ao excesso de exposição à luz, tal como Inflamações e infecções. Com consequências a longo prazo irá verificar-se uma redução da acuidade visual, cataratas, presbiopia, problemas da córnea, da retina, mácula e cristalino.
Os problemas psíquicos mais frequentemente encontrados nos que abusam de telemóveis são a depressão, isolamento,ansiedade e impulsividade. Frequentemente apresentam uma alteração identificados problemas físicos relacionados com posturas viciosas dos usuários –dores cervicais, projetando o pescoço para baixo. Esta postura, mantida por muito tempo, comprime os nervos que elevam a cabeça e causam dores de cabeça, sensação de cansaço , rigidez muscular e contraturas musculares nas costas e também dores nos músculos faciais. Os movimento repetitivos no teclado e écran, causam tendinites dos dedos, mãos e antebraços. Ao nível do ouvido têm sido registados acufenos, dor de ouvido e redução da audição. Também são frequentes as disfunções na articulação da mandíbula com a região temporal. O écran dos telemóveis são carregados de bactérias e podem provocar acne.
O uso do telemóvel pode mudar o contorno do rosto. Surge o duplo queixo, flacidez na região inferior do rosto, ao passar horas forçando o pescoço para a frente.
Como Equilibrar o Uso Excessivo Dos Dispositivos Móveis?
Ainda precisamos de encontrar o equilíbrio para que possamos usufruir dos benefícios da tecnologia, minimizando os prejuízos.
Recomenda-se que o uso destes dispositivos seja restrito a 2 horas por dia e que esse período não seja antes de dormir.
As crianças entre 3 e 7 anos não devem jogar ou brincar no telemóvel por mais de 30 minutos por dia. Não tem qualquer cabimento uma criança levar um telemóvel para a escola. Algumas escolas, por exemplo, em França, proibiram o uso do telemóvel em jovens com menos de 14 anos.
Temos adolescentes com um nível de depressão como nunca vimos na história, porque eles não têm o sistema nervoso desenvolvido para lidar com tudo isto .
A Emissão de Radiação pelos Telemóveis: Há Estudos que Relacionam o Uso dos Telemóveis com o Aumento da Incidência dos Tumores do Sistema Nervoso Central
Os efeitos da radiação sobre o corpo humano ainda não são totalmente conhecidos - são alvo de muitos estudos que decorrem por todo o mundo.
O telemóvel emite uma radiação eletromagnética. Essa radiação tem uma frequência alta e como o telemóvel é usado muito próximo do corpo, em especial da cabeça, a maior parte dessas ondas são totalmente absorvidas pelo corpo humano.
O risco é ainda maior para crianças que utilizam os aparelhos cada vez mais cedo, em fase de formação do cérebro. No ano de 2000 , enquanto membro colaborativo do IARC (Agência Internacional de Pesquisa de Cancro) integrei um estudo caso -controlo multicêntrico , para estudar a relação da exposição às radiações electromagnéticas com o cancro do sistema nervoso central .
São estudos de difícil realização e a relação de causa efeito é muito prejudicada pela baixa sobrevida dos doentes com este tipo de cancro, o que faz com que estes estudos ainda permaneçam um pouco por todo o mundo. Com base nas pesquisas realizadas pelo IARC, classificou-se o campo magnético como possivelmente carcinogénico para os seres humanos, mas ainda não há evidências suficientes.
Apesar de haver muitos estudos, os governos e as empresas de telemóveis e outras ligadas ao sector demonstram pouquíssimo interesse em realizar ou divulgar investigações na área ou fazem pressão para que os resultados não sejam divulgados (negam informações de interesse público). O aumento da incidência de cancro do SNC sobretudo em crianças, tem movido responsáveis pela Saúde Pública em diversas partes do mundo, assim em 2017 as autoridades de saúde da Califórnia lançaram um guia para que as pessoas minimizem o uso dos telemóveis.
Pode-se Falar de Adição às Novas Tecnologias?
Muitos neurocientistas referem que o nosso cérebro tende a interpretar o que acontece no mundo virtual como sendo igualmente real (neurónios espelho).
A terminologia psicopatologia da adição é hoje um assunto muito debatido. A definição médica de adição sem drogas – adição comportamental – reconhecimento pelo indivíduo dos danos físicos e psíquicos causados pelo uso excessivo e a incapacidade de reduzir ou de reajustar a sua conduta. Devido aos problemas da vida quotidiana deixa-se de viver a realidade para facilmente nos prendermos ao mundo virtual ,de que vamos ficando reféns.
Um adulto deverá saber gastar o tempo físico sem deixar que o mundo virtual diminua a qualidade desse tempo. Como se mencionou o nosso cérebro tem um sistema relacionado com a recompensa. Cada vez que um ratinho de laboratório aperta uma barrinha e recebe açúcar, liberta um neurotransmissor. Esse sistema de recompensa fica ativo. O instagram, Facebook, WhatsApp, etc, são a mesma coisa . Quando se posta alguma coisa e se vai ver a toda a hora se alguém gostou, isso é a barrinha da recompensa. E isso gera ansiedade, sofrimento, podendo conduzir à depressão. Quanto mais permitirmos que a interação real seja substituída pelo mundo virtual maior vai tornar-se essa dor.
É fundamental que entendamos as fragilidades dos nossos organismos e os protejamos dos excessos que ameaçam e prejudicam o seu são desenvolvimento e os mecanismos de nos relacionarmos socialmente
Recomendações para evitar a exposição nociva aos telemóveis:
- deixar o aparelho afastado do corpo, de preferência na mala ou mochila;
- usar fones ou altifalante para evitar a proximidade doaparelho ao cérebro;
- preferir o envio de mensagens a ligações;
- evitar o uso do telemóvel quando o sinal está fraco, pois o dispositivo emite mais ondas de radiação nessas circunstâncias;
- evitar streaming de áudios ou de vídeos, preferindo o download dos arquivos;
- não dormir com o telemóvel perto da cama, mantendo-o a uma distância mínima de pelo menos um braço, se quiser o aparelho perto, deixe-o desligado ou em modo de avião.
Dra. Fátima Lorvão
Médica de medicina Geral e Familiar na Policlínica da Benedita